Tarcísio tira R$ 17,1 milhões de Delegacias da Mulher 24h e corta 35% da verba para câmeras em uniformes de PMs

Bianca Gomes 18 Maio 2024 | 5min de leitura

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Apesar da piora nos índices de violência contra a mulher no estado, as Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) 24 horas já perderam R$ 17,1 milhões sob a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Desde o começo do ano, o governador de São Paulo promoveu um corte de 71,6% no orçamento destinado às unidades policiais especializadas no atendimento de mulheres.

Para se ter ideia, no começo de 2023, o governo paulista pretendia desembolsar R$ 24 milhões com as DDMs 24h. O orçamento atual, porém, está em R$ 6 milhões, após uma série de remanejamentos feitos pela gestão estadual. A expectativa é que Tarcísio não consiga gastar a maior parte deste valor, já que o empenho, ou seja, o valor que ele separou para gastar, está em R$ 623,6 mil a um mês do ano acabar.

O orçamento destinado às câmeras em uniformes de policiais militares também diminuiu desde o início do ano, de R$ 152 milhões para R$ 97,6 milhões — um corte de 35,7%. Até agora, o governo paulista liquidou cerca de R$ 76 milhões deste total. As câmeras foram alvo de controversas no governo de São Paulo. Durante a campanha eleitoral, Tarcísio chegou a dizer que tiraria o equipamento das fardas de PMs, mas depois acabou recuando, fato que desagradou aliados bolsonaristas.

Como mostrou O GLOBO, as mortes decorrentes de intervenção policial em serviço no estado de São Paulo subiram 26% no primeiro semestre do governo Tarcísio. Foram 155 mortes provocadas pela Polícia Militar neste ano, diante das 123 registradas no mesmo período do ano passado.

Até então, São Paulo vinha numa tendência de redução da letalidade policial desde 2020. As câmeras nas fardas são apontadas como um dos mecanismos de controle que ajudaram a diminuir o índice.

Tanto as DDMs 24h quanto as câmeras não aparecem mais, de forma específica, na proposta de orçamento enviada pelo governo à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a ser votada mês que vem.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que a suplementação de recursos pode ocorrer, nos termos da lei, sempre que houver necessidade de crédito para a cobertura de novos contratos.

"Com a queda de arrecadação, o estado solicitou que despesas já comprometidas fossem cobertas, em detrimento de expansão de contratos", afirmou a pasta comandada por Guilherme Derrite, que ainda acrescentou. "Sobre as DDMs, foi elaborada uma alteração orçamentária, realocando o valor de R$ 5.248.000,00 para atendimento de contratos da própria Polícia Civil. O Fundo de Incentivo de Segurança Pública - FISP fará um aporte do mesmo valor para a compra de viaturas para as DDMs. Quanto às câmeras, não houve corte nos recursos para os contratos já existentes e os três contratos de câmeras corporais para os policiais militares serão pagos na íntegra."

Poucas delegacias 24h

O corte no orçamento das Delegacias da Mulher 24 horas ocorre num momento em que São Paulo deveria estar expandindo o funcionamento de sua rede: hoje, só 11 das 140 DDMs do estado funcionam initerruptamente. Esse número não mudou ao longo do ano, mesmo após o presidente Lula sancionar, em abril, uma lei que estabelece o funcionamento 24h por dia das Delegacia da Mulher.

Além disso, no último mês, o estado assistiu a um aumento de 6,6% nos crimes de estupro, na comparação com o mesmo período no ano anterior. A piora foi ainda maior no interior (10,3%).

O número de tentativas de homicídio de mulheres em outubro também aumentou: de 42 no ano passado para 85 em 2023. Casos de lesão corporal dolosa passaram de 5.006 para 5.167 em um ano.

— Segundo os dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tivemos uma piora nos índices de violência contra a mulher, que foi puxada justamente pelo estado de São Paulo e pelo Rio de Janeiro. Qualquer corte em verba para combater a violência contra a mulher é preocupante, pois trata-se de uma questão pungente—diz a promotora de Justiça Celeste Leite dos Santos, presidente do Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral às Vítimas (Pró-Vítima).

Celeste ressalta que a verba cortada por Tarcísio poderia ser usada para ampliar o funcionamento das delegacias e prestar um melhor atendimento às vítimas, a partir da contratação de psicólogos, garantindo que essa mulher tenha uma escuta qualificada e não seja revitimizada, e também de advogados, para que ela saiba os seus direitos.

— Faltam policiais para investigar os crimes de violência contra a mulher, tornozeleiras eletrônicas para os agressores, monitoramento de redes sociais e investimento em inteligência artificial — diz Celeste, que critica a falta de uma rubrica sobre as DDMs no orçamento. — As estatísticas de violência contra a mulher são alarmantes, muito acima dos outros crimes, por isso é necessário uma política específica. Quando o governo não inclui as DDMs no orçamento, ele passa a não ter obrigação de investir.

Segundo ela, o corte na verba das delegacias e a sua ausência no orçamento podem ser alvo de questionamento na Justiça:

— Não é ilícita a realocação de recursos. Mas a lei federal prevalece sobre a estadual, e se há uma determinação de ampliação, pode-se questionar judicialmente. Como ampliar com cortes?

Falta prioridade

A deputada estadual Beth Sahão (PT), autora de um projeto de lei que estabelece o funcionamento ininterrupto das Delegacias de Defesa da Mulher no estado, critica o corte e diz que já agendou uma reunião com o relator do orçamento para discutir uma compensação no ano que vem.

— O estado que tem um crescimento exponencial da violência contra a mulher, especialmente feminicídio e estupro, precisa ter instrumentos que possam acolher essa mulher e dar o mínimo de segurança a ela. Mas o governador está indo na contramão do que deveria, diminuindo investimentos e não reconhecendo a importância de políticas públicas para eliminar todas as formas de violência contra a mulher — afirma a parlamentar.

Beth Sahão diz que muitas delegacias da mulher do estado funcionam de forma precária, com poucos funcionários. Segundo ela, além de ampliar o número de unidades, é preciso garantir o funcionamento 24h.

— Há estudos mostrando que a violência contra a mulher acontece no período noturno, no final de semana e durante feriados. O mais importante dessas delegacias é que elas funcionem no horário que, hoje, estão fechadas.