Defasagem de preços da gasolina já está em 17%

21 Maio 2024 | 8min de leitura

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Bráulio Borges: Defasagem nos preços pode levar a desabastecimento — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Bráulio Borges: Defasagem nos preços pode levar a desabastecimento — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Em meio à discussão sobre o comando da Petrobras, os reajustes nos preços dos combustíveis continuam a ser um desafio para a cúpula da empresa. A alta do petróleo na semana passada jogou mais pressão por altas nos preços da gasolina e do diesel para recompor defasagens em relação ao mercado internacional. Média das projeções de três consultorias e entidades de classe ouvidas pelo Valor aponta que a gasolina era vendida nas refinarias da estatal, na sexta-feira, por preços 17% abaixo da paridade internacional, enquanto no diesel essa diferença era de 13%.

Se a Petrobras mantiver os combustíveis sem reajuste por mais tempo - no atual cenário de escalada do petróleo -, corre risco de reduzir a rentabilidade como ocorreu no passado. Nos governos anteriores do PT, a empresa ficou longos períodos sem reajustar os preços da gasolina e do diesel, o que levou a prejuízos e a aumento da dívida. Anos foram necessários para recuperar as finanças.

Entre 2008 e 2012, a prática de reter preços também reduziu em 31,6% a arrecadação do governo com tributos incidentes sobre as atividades da Petrobras, como mostrou o Valor em reportagem de 2014. De 2008 a 2013, o valor dos tributos pagos pela Petrobras caiu de 2,1% do PIB para 1,6%.

Por outro lado, se a Petrobras aumentar os preços dos derivados de petróleo no mercado interno, como é recomendável em momentos de alta do petróleo, tendem a crescer as pressões políticas sobre a companhia.

Nenhum governo - e algo parecido ocorreu na gestão Bolsonaro - gosta quando a Petrobras aumenta os preços dos combustíveis, uma vez que a decisão é impopular e contribui para a alta da inflação. Mas reajustes são necessários para manter a boa saúde financeira da empresa quando a conjuntura aponta para altas do barril tipo Brent, dizem especialistas.

Para atender a demanda, cerca de 30% do diesel consumido no país é importado. Se o petróleo sobe no exterior, portanto, a empresa precisa repassar a alta para o mercado interno. No ano passado, um fator que ajudou a aliviar a discussão sobre os reajustes dos combustíveis foi o diesel fornecido pela Rússia a preços mais baixos. Os russos ultrapassaram os EUA, tradicional exportador para o Brasil.

Em maio de 2023, a Petrobras mudou a política de preços que vigorava desde o governo de Michel Temer, que atrelava os preços domésticos às cotações internacionais, conhecida como Preço de Paridade de Importação (PPI).

No atual governo, a Petrobras instituiu uma nova política de preços, batizada de “estratégia comercial”, modelo foi mal recebido pelo mercado por ser pouco transparente e não dar previsibilidade sobre os reajustes. A Petrobras tem reiterado que nenhuma empresa de qualquer setor é obrigada a abrir a formação de preços dos produtos que vende. Seria uma questão de estratégia comercial diante da concorrência.

A discussão sobre a formação dos preços da companhia ficou um pouco de lado, diz Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e economista da LCA Consultores, uma vez que as cotações de petróleo amenizaram em 2023. “Mas esse ainda é um fator de preocupação pois o histórico mostra que a prática de preços domésticos muito abaixo dos internacionais por período longo no passado afetou a lucratividade da empresa.”

Caso surjam novos choques no cenário internacional, o tema pode voltar à mesa, diz. Borges acrescenta que a prática de preços internos abaixo das cotações do petróleo também pode provocar desabastecimento no mercado doméstico, uma vez que a produção nacional sozinha não é suficiente para atender à demanda de diesel.

Hoje o cenário para reajustes ganha força por dois motivos: as cotações do barril do petróleo Brent romperam a barreira dos US$ 90 pela primeira vez em seis meses, e o câmbio foi negociado acima de R$ 5 na semana passada, obrigando o Banco Central a intervir no mercado com leilões. Câmbio e preço do barril são as principais variáveis para o reajuste.

Considerando os dados do fechamento de mercado de sexta-feira (5), a consultoria StoneX indica defasagem de 12% nos preços do diesel, o que equivale a R$ 0,42 por litro, e de 12,6% na gasolina (R$ 0,35 por litro). O Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) estima defasagem média de 25,92% nos preços da gasolina, o que corresponde a uma diferença de R$ 0,98 por litro, e de 8,22% nos preços do diesel (R$ 0,31 por litro). A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) projeta defasagem média de 12% na gasolina (R$ 0,48 por litro) e de 19% no diesel, o que significaria reajuste de R$ 0,65 por litro.

A última vez que a Petrobras mexeu nos preços da gasolina foi em 21 de outubro, quando aplicou redução de 4,1% (R$ 0,12 por litro). O diesel está sem mudanças nos preços desde 27 de dezembro, quando a companhia reduziu os preços nas refinarias em 7,94%.

Em 2022, com lucro recorde de R$ 188 bilhões, 77% a mais do que em 2021, a Petrobras transferiu aproximadamente R$ 248 bilhões em valores atuais para a União (R$ 103 bilhões em tributação, R$ 86 bilhões em royalties e participações e R$ 59 bilhões em dividendos). Parte da explicação se deveu a fatores conjunturais: o preço de paridade internacional (PPI) era baseado no preço internacional do petróleo e no câmbio.

Na ocasião, a própria companhia atribuiu o resultado recorde à elevação do preço do petróleo por causa do início da Guerra da Ucrânia. Mas o PPI também era considerado por diversos analistas do setor uma política mais transparente e próxima das flutuações de mercado do que a fórmula atual - fator que também tendia a maximizar os resultados.

Com exceção de 2020, início da covid-19, o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis ficou em 2023 no menor nível em relação à arrecadação total do tributo no país, considerando a última década. O imposto sobre combustíveis correspondeu a 16,6% do ICMS arrecadado, ante 17,7% em 2022.

A perda de fatia em 2023 resultou da redução da alíquota de ICMS após medidas legais do governo em 2022, na corrida eleitoral na qual o então presidente Jair Bolsonaro buscou enfrentar a pressão da inflação. À época o preço dos combustíveis pesou na alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A medida reduziu o ICMS da energia elétrica, telecomunicações e transportes.

“Foi uma medida equivocada, porque o governo da época queria influenciar preços por meio de limitação legal de alíquota legal na gasolina”, diz Felipe Salto, economista da Warren Rena e ex-secretário de Fazenda de São Paulo.

A medida revela, segundo Salto, como os combustíveis são um ponto sensível na inflação que pesa no bolso do consumidor e o grau de repercussão na arrecadação, dada a representatividade na receita de ICMS dos Estados.

“O que preocupa são decisões de intervenções na política de preços de combustíveis. Não há como saber se isso será feito, mas seria ruim porque atrapalharia muito a economia e resvalaria também na arrecadação tributária”, diz Salto.

“Passamos a considerar as nossas melhores condições de refino e logística para a prática de preços competitivos, disputando mercado com outros atores que comercializam combustíveis no Brasil; e para mitigação da volatilidade externa, proporcionando períodos de estabilidade de preços aos nossos clientes, como ocorre neste momento”, afirmou a Petrobras.

Carlos Kawall, economista da Oriz Partners, pondera, no entanto. “A pior destinação seria fazer uso político e entrar na linha do populismo para segurar preços de combustíveis, não somente com recurso do orçamento da União, mas afetando a gestão da Petrobras com subsídios para gasolina, que beneficiam classes mais altas e vão contra descarbonização”, diz.

Os impostos sobre os combustíveis também são formas de a União e os entes federados receberem contribuições da Petrobras. O ICMS é um imposto estadual incorporado aos preços cobrados nas refinarias e passou a ter um valor fixo em 2022, quando Bolsonaro sancionou uma lei que eliminou a cobrança por percentual.

Segundo uma fonte, a alíquota fixa do ICMS evita que a arrecadação se altere mesmo que a estatal mude os preços. Antes, o imposto era cobrado com base em percentual sobre o litro do combustível na refinaria, definido por Estado. “Agora, quando o preço dos combustíveis está alto, pode afetar o consumo, mas não a arrecadação do imposto”, diz a fonte.

Para a fonte, que participou das discussões sobre o ICMS, a medida é favorável e deixa o imposto mais previsível. Em 2024, o ICMS sobre a gasolina está em R$ 1,37 por litro e sobre o diesel, em R$ 1,06 por litro. O imposto federal sobre a gasolina é formado por Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).