Ao menos 101 traficantes de outros estados se escondem em favelas do Rio

Ana Carolina Torres e Giulia Ventura 15 Maio 2024 | 7min de leitura

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O Rio tem hoje ao menos 101 traficantes de outros estados escondidos em comunidades na Região Metropolitana, todas dominadas por facções criminosas, segundo dados da Polícia Civil. Entre eles, estão 12 dos 13 chefes da principal facção do Pará, o Comando Vermelho (CV) — o que não está no Rio se encontra preso. Essa migração acontece, na maior parte das vezes, depois que os bandidos têm a prisão decretada. Mas o controle sobre seus redutos permanece, com ordens passadas por meio de outros integrantes das quadrilhas ou de advogados.

No Pará, ações policiais deflagradas após uma escalada nas mortes de agentes públicos entre 2021 e 2022 podem estar ligadas à vinda não só dos 12 chefões do CV como também de outros três bandidos, todos escondidos nos complexos da Penha, na Zona Norte do Rio, ou do Salgueiro, em São Gonçalo.

Para o delegado-geral do Pará, Walter Resende, a vinda de traficantes para o Rio se dá pela geografia e pela dificuldade das ações policiais em favelas. Ele afirmou também que os bandidos de seu estado que estão escondidos no Rio ensinam a seus cúmplices táticas adotadas pelo Comando Vermelho, entre elas a exigência de pagamento de taxas pelos comerciantes.

— Da Vila Cruzeiro ou do Salgueiro, eles comandam ações aqui. Seja contra agentes públicos ou pela modalidade latente agora, no Pará, de extorsões a comerciantes.

‘Hospedagem’ paga

Superintendente regional Norte da Polícia Civil do Espírito Santo, Fabrício Dutra explicou que o movimento de traficantes para o Rio ocorre, principalmente, com chefes do tráfico e pessoas diretamente ligadas a eles. Um estudo feito pela polícia capixaba mostra que o fator financeiro está diretamente ligado à migração.

— Segundo os relatórios de inteligência, eles pagam por essa hospedagem. Percebemos que aqueles chefes mais altos, que movimentam uma certa quantidade de dinheiro no mundo do tráfico de drogas e de armas, preferem o Rio.

Cerca de dez criminosos do Espírito Santo estão escondidos hoje na capital fluminense. De acordo com dados de inteligência da Polícia Civil do Rio, eles se concentram no Complexo do Alemão. Em dezembro passado, uma operação conjunta entre os estados tentou prender cinco suspeitos na Nova Holanda, no Complexo da Maré, mas nenhum foi encontrado.

Entre as prisões de forasteiros feitas no Rio, estão a de Dielson Assunção Filho, detido na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha (ele é condenado por tráfico de drogas no Pará) e de Lindemberg Vieira da Silva (apontado como traficante na Paraíba), encontrado no Complexo do Chapadão, na Zona Norte carioca.

Facção se expandiu

A coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carolina Grillo, diz que o movimento migratório não é recente. Fundado no Rio no fim da década de 1970, o CV, maior facção fluminense, já havia se expandido para outros estados, principalmente os do Norte-Nordeste, há pelo menos dez anos. A partir do momento que esse fluxo começa, ele passa a acontecer em mão dupla. Carolina citou ainda a criação dos presídios federais, em 2006, como outro fator que fez com que as facções se expandissem: cada chefe preso mobiliza um grupo de bandidos para a região onde se encontra. E, ainda, o fato de ser mais fácil um criminoso conhecido passar despercebido em outro estado:

— Ele se muda para estados onde não são tão visados, já que a atuação das polícias estaduais (em operações de busca) é maior.

Antropólogo e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio, Paulo Storani afirma que a grande quantidade de comunidades controladas pelo tráfico em áreas urbanas, o alto número de bandidos presentes nelas — há uma estimativa de que sejam, ao todo, 56 mil, segundo um relatório da Subsecretaria de Integração e Planejamento Operacional, da Polícia Civil — e as muitas armas às quais eles têm acesso são atrativos para quem quer se esconder:

— Além disso, a polícia (Militar, responsável pelo policiamento ostensivo) não tem capacidade de atuar em todas as comunidades. Deveria ter 60 mil homens e tem um déficit de 17 mil — afirma.

Ações em favelas

Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou um relatório sobre a situação da segurança no Rio, no contexto da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que limita as operações policiais em favelas. Em respostas a perguntas do CNJ, a Polícia Civil afirma que “após a implementação da ADPF 635, lideranças de facções oriundas de outros estados, associadas às facções existentes no Rio de Janeiro, passaram a priorizar o estado com intuito de homizio (esconderijo)”.

Para o secretário de Segurança do Rio, Victor Cesar Santos, fatores como a grande densidade demográfica, que faz com que bandidos passem despercebidos, e os locais de difícil acesso para a polícia nas comunidades, como regiões de mata e esconderijos, atraem os bandidos para o estado.

— Precisamos imaginar que existem organizações criminosas que são transregionais, e o Comando Vermelho é uma delas. Ele está hoje em 21 estados na federação — afirmou.

Segundo ele, há uma dificuldade também na expedição de mandados judiciais, como os de busca e apreensão — as favelas têm vielas sem nome ou que são nomeadas informalmente pelos moradores:

— Sem contar, claro, com as dificuldades devido às construções irregulares. A residência é inviolável, salvo autorização judicial. Mas como expedir um mandado de busca e apreensão? Qual é o endereço certo? O criminoso enxerga todas as complexidades como oportunidades.

Presos nos últimos meses

No último dia 2, Dielson Assunção Filho, conhecido como Lank ou Disciplina, foi preso na comunidade Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. Condenado por tráfico de drogas no Pará, o criminoso fugiu para o Rio de Janeiro, onde encontrou abrigo, há cerca de dois anos.

Segundo as investigações da polícia, Dielson exercia, atualmente, na capital fluminense, a segurança do traficante Anderson Sousa Santos, conhecido como Latrol, apontado como o mais alto cargo no CV do Pará e um dos mais procurados pela polícia paraense. Disciplina também era, de acordo com investigadores, responsável por atuar na fiscalização das atividades criminosas de outros integrantes da facção. Em casos de descumprimento das ordens dos chefes, era ele quem aplicava as “penas”.

No dia seguinte à prisão de Dielson, um suspeito de pertencer ao alto escalão do Comando Vermelho em Manaus, no Amazonas, também foi preso pela Polícia Federal no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. Ele estava foragido havia mais de 4 anos.

Em outubro do ano passado, uma ação conjunta prendeu João Ricardo Cardoso Mota, o Rick ou R7. Considerado um dos chefes do tráfico de drogas que atua na Bahia, ele foi encontrado na Muzema, na Zona Oeste do Rio, área dominada pela milícia.

Segundo informações de inteligência das polícias, Mota é sócio de Geonário Fernandes Pereira Moreno, o Genaro, que pertence ao Terceiro Comando Puro (TCP), que atua na Favela da Guacha, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

Ordens para homicídios

Lindemberg Vieira da Silva, conhecido como Mago Lindo, de 34 anos, foi preso em fevereiro deste ano, quando estava escondido no Complexo do Chapadão, na Zona Norte carioca. Traficante da Paraíba, ele estava escondido no Rio, segundo apontam as investigações, desde janeiro de 2023.

Apontado como o chefe do tráfico no município Bayeux, na Paraíba, ele fazia do complexo de favelas do Rio um “escritório do crime” e, inclusive, dava ordens para homicídios em seu estado de origem. Ele é também suspeito de ser o financiador de um ataque a ônibus em João Pessoa, que terminou com a morte do motorista.

Eduardo Lourenço Marques, o Dudu, apontado como chefe do tráfico de drogas de Minas Gerais, foi preso ao lado de sua esposa, Naiara Aparecido dos Reis, em uma operação no Complexo da Maré, em 6 de março deste ano. Segundo a polícia, os dois estavam escondidos na capital fluminense havia, pelo menos, 10 anos. Ele seria considerado o 4º na hierarquia do crime organizado mineiro.